Sobre o brincar – Azul e Rosa

Sobre o brincar

Escrever sobre a importância do brincar não é novidade, tampouco dispensável. Quando convidada para participar desse projeto do Azul e Rosa Brinquedos, imediatamente pensei: como abordar o brincar sem ser repetitiva? O que trazer de novo? Eu não tinha nada de inédito para compartilhar sobre o brincar.


Foi quando percebi que havia passado horas racionalizando o brincar diante da minha perspectiva adulta e enrijecida, e acontece que brincar não é sobre isso. Nada que eu possa falar será inédito, mas, ao mesmo tempo, tudo será. Afinal, isso é brincar: encontrar um espaço potencial, aproveitar a liberdade para explorar esse espaço e, a partir do já vivido e do já observado, experienciá-lo genuinamente, atuando e criando ativamente sobre ele. Com essa reflexão, pude relembrar alguns dos meus próprios “brincares”. Assim, enxergando-os como potência de mobilização de emoções e afetos, bem como da elaboração de sentimentos, compartilho algumas dessas experiências resgatadas:

❖ Crio minha realidade, pois sou uma criança criativa
Brincar sentindo o ar entrando no corpo e se alocando onde pertence: experimentar papéis. Ser a criança que levou uma bronca, ser a princesa do desenho animado, ser a mãe que deu a bronca, ser o príncipe, o cavalo, o rato, a médica, a fada madrinha, a bruxa, o pai, o piloto de avião ou a bailarina. Ser quem eu quiser e como eu quiser para descobrir quem e como gosto de ser, ou como não gosto que sejam, ou como não gostam que eu seja, ou até mesmo como eu acho que gostaria de ser e como eu gostaria que fossem. Elaborar. Organizar.

❖ Sigo minha intuição, trabalhando os mistérios dentro de mim

Brincar sentindo frio na barriga e o coração acelerado: ser exploradora. Estar diante da possibilidade de desvendar um mistério, descobrir um tesouro secreto e, ao mesmo tempo, encontrar junto da descoberta um grande perigo ameaçador. Correr ao encontro e também fugir do desconhecido. Sentir, quase que simultaneamente, medo e entusiasmo.

❖ Deixo meus instintos fluírem, sou uma criança risonha
Brincar sentindo a contração da barriga e a expansão do peito: ser palhaça ou espectadora de palhaços. Imitar, zombar a vida, viver o absurdo. Dar risada. Fica aqui um convite para que todos relembrem alguns de seus “brincares”. Seus momentos de expansão, conhecimento e fantasia. Como eles te mobilizaram? Como apresentaram ou representaram sentimentos, situações e experiências? Como tudo isso se manifesta agora, na vida adulta?

Falando como psicóloga e jovem adulta que já deixou de ser criança – mas que inevitavelmente carrega a criança que foi um dia – nunca é demais lembrar: Brincar é, sem dúvida alguma, uma das características mais significativas, essenciais e estruturais da infância. A partir da brincadeira, exploramos e desenvolvemos nosso ser e estar no mundo, enquanto indivíduos imersos na sociedade, permeados por cultura e agentes desse processo contínuo que é viver. Como bem colocam Bichara et al. (2009) em seu artigo “Brincar ou Brincar: Eis a questão”:

Motivação e formas de brincar alteram-se durante o ciclo vital,
acompanhando as mudanças gerais em habilidades motora, cognitiva e social. […] O
entendimento do significado da brincadeira no desenvolvimento humano conduz a
um profundo respeito pelo assunto, seja na maneira de ver o direito da criança à
realização de sua “vocação”, sinalizando a necessidade de um comprometimento
social com a criação de ambientes favoráveis à brincadeira, seja na geração e difusão
de conhecimentos sobre o tema. (p.25
)


Cabe sim aos profissionais da psicologia, da educação, da saúde e das políticas públicas (entre outros) seguirem produzindo conteúdo e conhecimento acerca do tema; mas cabe também à toda a sociedade a promoção do bem estar na infância, a qual inclui, invariavelmente, a garantia, o amparo, a proteção e o incentivo ao brincar. Que possamos todos ter sempre nossa visão de mundo, nossas experiências e nossas vidas enriquecidas pelo potencial infinito e maravilhoso da brincadeira.

Referências:
Bichara, I.D.; Lordelo, E.R.; Carvalho, A.M.A. & Otta, E. (2009) Brincar ou brincar: eis a questão –
perspectiva da psicologia evolucionista sobre a brincadeira. In: Yamamoto, M. E. e Otta, E. (Orgs)
Psicologia Evolucionista. Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 104-113


Bruna Gouvêa
Psicóloga

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